Nua

    Eram quatro da manhã. Nina trouxe o rolo do cartaz. Tentamos ajuda-la na subida, mas ela estava convicta a não deixar ninguém tocar no tecido até que estivessemos no terraço. O vento era violento e doloroso, trajava um ambiente quase inóspito no topo do prédio abandonado. Me imaginei uma alpinista explorando uma montanha de concreto de civilizações passadas. O horizonte tinha cor canela. Se o paraíso existisse, ele não ficaria no céu - por trás das nuvens se via o inferno. Fumaça impiedosa. E lá em baixo aquelas luzinhas: uma aqui. uma ali, espalhadas como glitter depois de uma festa. 

    Estendemos o cartaz em comprimento e o levamos até o parapeito. Flora foi corajosa: subiu na pontinha da mureta e garantiu que a imagem estava alinhada. Finalmente soltamos a ponta; deixamos a toalha cair; expusemos a nudez ao mundo. 

    Agora eu era parte disso. Nua pra todos. Feiticeira.

    Na rua uma mãe tampou os olhos do filho, um velhinho engasgou mastigando pão com manteiga e um cachorrou latiu até morrer.
voltar